O colorido das unhas mostra como dona Vitória*, de 69 anos, enxerga a vida. Em agosto de 2022, ela teve a coragem de abrir a porta da delegacia para denunciar a violência que vinha sofrendo de quem fora seu companheiro durante seis anos.
Com o sonho de viver um grande amor, a aposentada iniciou o relacionamento aos 62 anos. Sem saber como era a vida a dois, ela acreditava que o comportamento do então marido era “normal”.
“Eu nunca tinha vivido com ninguém, não sabia como era. Mas assim mesmo eu prosseguia, não quis desistir porque eu queria um companheiro. Ele não me deixava dançar nem conversar com ninguém. Era estúpido, falava palavrão, chegou a me empurrar no portão, me chutar. Aconteceu muita coisa”, conta.
No ano passado o agressor saiu de casa pela última vez, dona Vitória colocou um basta, e ir à delegacia denunciá-lo seria o segundo passo. “Ele me difamou, posso ter vários defeitos, e ele sabe a mulher que eu sou. Fui até a delegacia, eu tive tantos empurrões, arranhões, coisas ruins, mas difamar eu não aceito”, narra.
Os xingamentos e ofensas foram pesados e exigiram de Vitória uma força descomunal para denunciar. “Eu jamais imaginei entrar numa delegacia, me disseram que eu ia ser maltratada. Mas eu fui, e estava muito sensível. As psicólogas, a assistente social foram muito gentis. Foi um alívio”, descreve.
Depois que a vítima denunciou, o agressor passou a persegui-la, e um novo mecanismo de proteção à mulher foi acionado, o uso da tornozeleira eletrônica. “Ele me seguiu, vieram e prenderam ele. Aí eu me senti mais vitoriosa ainda”, compartilha.
No Ceam (Centro Especializado de Atendimento à Mulher), dona Vitória compartilha seu relato, hoje como dona de sua própria história. “Eu cheguei aqui e tem sido uma benção, porque eu já mudei várias coisas. Melhorei bem, gosto de sair, me divertir. Agora eu não tenho mais maus pensamentos, as coisas ruins que eu tinha. Eu estou bem feliz”, diz.
Rede de atendimento à mulher em MS
Subsecretária de Políticas Públicas para Mulheres, Cristiane Sant’Anna Oliveira, explica que o compromisso do Governo do Estado é de fortalecer todo o trabalho em rede justamente para atender mulheres como Vitória. “A rede de atendimento são todos os serviços oferecidos na delegacia, no Ceam, nos Centros, fortalecer é dar melhores condições para que estes serviços sejam realizados capacitando os servidores para acolhimento a essas mulheres”, pontua.
Em Mato Grosso do Sul, as ferramentas para atendimento à mulher vítima de violência vão desde canais para denúncia on-line e solicitação de medida protetiva ao atendimento pelo WhatsApp e Centro Especializado de Atendimento à Mulher em situação de violência.
Atual coordenadora do Ceam em Campo Grande, a delegada Sidneia Tobias recorda que sempre esteve do outro lado, atuando na segurança pública e hoje está à frente de um serviço de política pública.
“É uma política pública extremamente séria. Por aqui passam mulheres sobreviventes, todas as que são vítimas de violência e tem conhecimento do serviço efetuado pelo Ceam que atua prestando acolhimento, fazendo acompanhamento psicossocial, e não existe um prazo para mulher encerrar a terapia. O tratamento é feito até que ela esteja pronta para enfrentar os desafios da sociedade”, ressalta Sidneia. Também cabe ao Ceam fazer encaminhamentos de mulheres para a Casa Abrigo.
O que toda pessoa precisa saber em caso de violência contra a mulher:
- Em caso de urgência e emergência: ligue 190. Para fazer uma denúncia ou pedir informações: ligue 180. Para solicitar uma visita da Patrulha Maria da Penha: ligue 153;
Casa da Mulher Brasileira
- Para denunciar e passar pelo primeiro atendimento, procure a Casa da Mulher Brasileira ou uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher. Lembrando que o atendimento na Capital é 24h.
Endereço: Rua Brasília, lote A, quadra 2 – Jardim Imá. Telefone: 2020-1300
Ceam
- Ceam (Centro Especializado de Atendimento à Mulher em situação de violência): atende mulheres vítimas da violência doméstica ou qualquer outra agressão por causa do gênero. Primeiro a mulher passa por uma triagem para depois ser atendida por psicólogas e assistentes sociais. Tudo para dar informação necessária para que a mulher saia da condição de vítima de violência doméstica.
Endereço: Rua Piratininga, 559 – Jardim dos Estados. Telefone: 0800-067-1236
Denúncias on-line
- Para denunciar violência doméstica pela internet, basta acessar o site da Delegacia Virtual da Polícia Civil, clicar em “Registrar Denúncia”, e posteriormente em “Violência contra a Mulher”. O registro no site pode ser feito de todo Mato Grosso do Sul.
Medida Protetiva on-line
- Para pedir a medida protetiva on-line é preciso acessar o site do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, clicar na aba “protetivas on-line, fazer o cadastro. Em seguida, descreva toda situação e anexe fotos ou documentos. A medida é encaminhada para o juiz e analisada em até 48 horas (durante o expediente forense). Lembrando que este tipo de pedido de medida protetiva on-line só está em funcionamento em Campo Grande atualmente.
Ministério Público
- Atendimento pelo WhatsApp: (67) 9-9825-0096. O telefone da 72ª Promotoria de Justiça da Casa da Mulher Brasileira é o: 3318-3970
Defensoria Pública
- Atendimento por WhatsApp: (67) 9-9247-3968. Atendimento on-line: defensoria.ms.def.br. Núcleo de Defesa da Mulher: (67) 3313-4919.
Programa Mulher Segura da Polícia Militar
- O Promuse foi institucionalizado em 2018 e tem como objetivo auxiliar as mulheres vítimas de violência doméstica, com foco em prestar todo o suporte necessário para o rompimento desse ciclo da violência. A equipe de policiais militares do Promuse fiscaliza as medidas protetivas de urgência, realiza palestras visando a prevenção primária, além de auxiliar o Judiciário e o Ministério Público através de relatórios de riscos individuais.
Comandante de equipe da Coordenadoria Estadual do Promuse, a sargento Aline Furtado van Onselen explica que este auxílio na tomada de decisões do Judiciário é para resguardar a integridade da vítima. “O Promuse é aquele atendimento que escuta, estabelece condições para que desperte o compromisso e o respeito à igualdade de gênero, identificando os diversos tipos de violência, esclarecendo para mulher os princípios dos direitos humanos, proporcionando a essas mulheres um atendimento compreensivo e digno”, enfatiza.
O programa atende em 18 municípios de Mato Grosso do Sul com monitoramento e proteção das mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Para acionar, basta ligar o 190.
Vitória, a personagem que abre esta reportagem, é um nome fictício escolhido a dedo para dona da história. “É uma vitória o que eu consegui”, resume.
Texto e Fotos: Paula Maciulevicius, Setescc