Há poucos dias de completar 124 anos, Campo Grande experimenta uma realidade improvável: ser “cidade-dormitório” de Ribas do Rio Pardo. A 103 quilômetros da Capital, a então terra do boi se tornou domínios da celulose, com a construção da fábrica da Suzano que faz girar a roda da fortuna, numa espiral de necessidades que não se restringe aos limites territoriais do município vizinho.
Não é que falte espaço, afinal Ribas do Rio Pardo, com área de 17.315 quilômetros quadrados e população de 23.150 pessoas, é o terceiro maior município de Mato Grosso do Sul no quesito extensão territorial.
Mas Campo Grande, acessível pela BR-262, numa viagem que dura em média uma hora, tem mais infraestrutura diante do mercado imobiliário saturado de Ribas, onde os valores de aluguéis se tornaram astronômicos e o crescimento vem de atropelo. A Capital tem 897.938 pessoas, população quase 40 vezes maior. Já na extensão territorial, são 8.082 quilômetros quadrados.
Quem passa pela rodovia federal, que agora corta a área urbana de Ribas, avista alojamentos, incremento da rede hoteleira e um hotel contêiner.
De acordo com o presidente do Creci-MS (Conselho Regional de Corretores de Imóveis), Eli Rodrigues, a primeira opção das empresas que atuam em Ribas do Rio Pardo foi por bairros de Campo Grande que ficassem nas saídas para Três Lagoas e Cuiabá.
Os pedidos eram por conta da logística, com os trabalhadores no menor raio possível para o embarque nos ônibus que os levariam até Ribas do Rio Pardo. De onde retorna, à noite, para dormir em Campo Grande. Atualmente, já há imóveis locados para as empresas em outras regiões da Capital.
A procura por imóveis para essa modalidade de locação cresceu a partir do fim do ano passado. “A princípio, eles colocaram um setor na saída para Cuiabá e um na saída para Três Lagoas. Mas é difícil ter essa concentração, com busca de cem unidades para a locação”, afirma.
O presidente do Creci lembra que essa locação também precisa atender a legislação trabalhista, com limite de pessoas por unidade. “Não é só arrumar a casa, mas seguir as regras do Ministério do Trabalho”.
Comparativo dos vizinhos Campo Grande e Ribas dos Rio Pardo. (Arte: Thiago Mendes)
Campo Grande também atende os trabalhadores que vêm com família e que fixam residência em Mato Grosso do Sul. “É mais fácil morar aqui [Campo Grande] e trabalhar lá. Ribas não tem estrutura hoje para recepcionar esse povo. É mais tranquilo alugar aqui, que tem mais comodidade, colégios”, afirma Eli Rodrigues. O Creci tem 10.500 corretores de imóveis no Estado, com aumento de três mil profissionais nos últimos quatro anos.
Na saída para Três Lagoas, o Parque Residencial Maria Aparecida Pedrossian é um dos que se tornaram “anexo” de Ribas do Rio Pardo para abrigar trabalhadores. Presidente da Amape, associação de moradores, Jânio Batista Macedo cita o exemplo de uma família que tem 20 quitinetes. “Agora, não tem mais vaga, tudo alugado. Também ocupam casas no Jardim Noroeste, no Jardim Vivendas do Parque”, diz Jânio. Os trabalhadores vão diariamente para a cidade vizinha.
A BR-262 leva a Ribas do Rio Pardo, que fica a 103 km de Campo Grande. (Foto: Henrique Kawaminami)
Direitos e intolerância – Num episódio regado a reclamações e intolerância, funcionários da Imetame Metalmecânica, que tem sede no Espírito Santo, foram proibidos de se mudarem para residencial em Campo Grande.
A chegada de um caminhão com colchonetes e geladeira, prenunciando que o Condomínio Virgínia, na Vila Nasser, receberia mais 366 moradores, funcionários da empresa, resultou numa onda de protestos, capitaneada pelo mote “condomínio não é alojamento”.
Os trabalhadores iriam ocupar 61 apartamentos de propriedade da Hannah Engenharia e Construção Ltda. Mas a situação foi levada à Justiça e chegou ao ponto de a entrada dos novos vizinhos ser proibida, apesar de não haver nenhum impedimento legal naquele 20 de julho.
A proibição só veio no dia seguinte, em 21 de julho, quando o juiz da 10ª Vara Cível de Campo Grande, Mauricio Petrauski, concedeu liminar proibindo o ingresso das pessoas e até de seus colhões.
“Considerando que, a princípio, as requeridas estarão destinando os apartamentos com a finalidade de alojamento ou ocupação coletiva das unidades, o que viola os preceitos da convenção de condomínio, defiro a tutela de urgência para o fim de suspender os efeitos do contrato de locação das 61 (sessenta e uma) unidades residenciais do Condomínio Virgínia(…), realizado entre Imetame Metalmecânica e a requerida Hannah Engenharia e Construção LTDA, em relação ao condomínio, ora representado pelos autores, ficando expressamente impedido ingresso dos novos moradores, colchões ou suas respectivas mudanças nas unidades habitacionais”, informa a decisão.
O magistrado fixou multa diária de R$ 30 mil em caso de descumprimento. A defesa da empresa recorreu ao TJ-MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul). No documento, o advogado Douglas de Oliveira Santos ponderou que o fato de a locação ter sido realizada com uma empresa para acomodação de seus funcionários pelo prazo de 12 meses, não permite concluir que será instalado um alojamento.
“E ainda, por mais que seja pessoas de outra cidade qual o risco? Não há razão para tanta hostilidade e repulsa por um grupo de pessoas que estão vindo para trabalhar. Os agravados deixam subtendidos que os moradores são perigosos, pessoas que não sabem conviver harmoniosamente em sociedade, preconceito que já não se pode admitir atualmente.”
Em 24 de julho, o desembargador Vladimir Abreu da Silva suspendeu a liminar que proibia a mudança dos 366 funcionários, mas a construtora desistiu da locação.
Por Aline dos Santos
(Foto: Henrique Kawaminami)
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