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Covid-19: Estamos prontos para a próxima pandemia?

por Nathally Martins da Silva Bulhões

Nos últimos meses, a pandemia de Covid-19, que parecia um evento do passado, voltou a ocupar manchetes. O Brasil registrou mais de 100 mil casos e 500 mortes apenas em 2025, enquanto um novo coronavírus identificado na China levanta preocupações sobre a possibilidade de outra crise sanitária global. Paralelamente, um estudo da Fiocruz revela que a Covid longa segue invisibilizada pelo sistema de saúde, afetando milhares de brasileiros sem assistência adequada.

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Apesar dos avanços científicos e da experiência acumulada desde 2020, o mundo parece repetir os mesmos erros que permitiram a disseminação do SARS-CoV-2 anos atrás. Enquanto governos e organismos internacionais debatem acordos para a prevenção de novas pandemias, a fragmentação política e a desigualdade global continuam sendo barreiras estruturais.

A pergunta central, portanto, não é apenas se a Covid-19 ainda representa um perigo iminente, mas se aprendemos algo com a pandemia – e se estamos preparados para a próxima.

Brasil: o retorno da covid-19 e os desafios da vacinação

Desde o início de 2025, o Brasil enfrenta um novo aumento de casos. Em janeiro, houve um crescimento de 151% nas infecções em relação ao final de 2024, tornando-se o mês com maior número de diagnósticos nos últimos dez meses.

Esse aumento tem como causas prováveis:

Baixa cobertura vacinal – Muitas pessoas ainda não tomaram as doses de reforço.

Sazonalidade indefinida do vírus – Diferente da gripe, a Covid-19 ainda não tem um padrão sazonal fixo.

Novas variantes – A sublinhagem LP.8.1, detectada no Brasil em novembro de 2024, apresenta maior transmissibilidade.

Relaxamento nas medidas de prevenção – Sem restrições ou campanhas ativas, a população sente que a pandemia já acabou.

Apesar do aumento de casos, especialistas afirmam que a situação não caracteriza uma nova onda intensa da doença. O infectologista Guilherme Luiz Milanez explica que os surtos de Covid-19 seguem um padrão cíclico: “Sempre que há novas variantes em circulação, vemos um aumento temporário, mas isso não significa necessariamente uma nova emergência sanitária”.

Ainda assim, o alerta deve ser mantido, especialmente para grupos vulneráveis, como idosos, imunossuprimidos e gestantes.

Um retrocesso perigoso

A vacinação, que foi um divisor de águas no combate à Covid-19, enfrenta um retrocesso alarmante. O Brasil, que já foi referência mundial em imunização, agora lida com baixa adesão às doses de reforço e desinformação crescente.

O problema não é exclusivo do país. O movimento antivacina cresceu globalmente durante a pandemia, impulsionado por teorias conspiratórias e pela disseminação de fake news. A OMS alerta que a hesitação vacinal está entre as dez maiores ameaças à saúde global.

Para o infectologista Milanez, recuperar a confiança na vacina exige um esforço coordenado: “O Brasil sempre teve campanhas exemplares de vacinação, mas isso se perdeu. Precisamos reverter essa tendência antes que os impactos sejam ainda mais severos”.

Uma nova pandemia está a caminho

Se a Covid-19 nos ensinou algo, foi que a humanidade subestimou o risco das pandemias. O surto de SARS em 2003, o H1N1 em 2009 e o Ebola entre 2014 e 2016 foram sinais de alerta ignorados.

Agora, uma nova ameaça surge. Pesquisadores chineses identificaram o coronavírus HKU5-CoV-2 em morcegos, levantando preocupações sobre a possibilidade de transmissão para humanos. A descoberta foi publicada na revista Nature e indica que o vírus usa o mesmo receptor celular do SARS-CoV-2, o que potencialmente poderia facilitar sua adaptação ao organismo humano.

O virologista Anderson Brito enfatiza que ainda não há motivo para pânico, mas a vigilância é essencial: “O fato de um vírus ter capacidade de infectar células humanas em laboratório não significa que ele vá causar uma pandemia. Mas isso reforça a necessidade de monitoramento contínuo”.

Paralelamente, a OMS tenta aprovar um tratado internacional de prevenção a pandemias, mas as negociações enfrentam impasses. O principal embate ocorre entre países ricos e pobres:

Países do Norte Global defendem um acordo focado em respostas emergenciais e compartilhamento de informações.

Países do Sul Global insistem que a desigualdade social e o acesso equitativo a vacinas e tratamentos devem ser prioridade.

Para o sanitarista Gonzalo Vecina Neto, não há dúvidas de que uma nova pandemia ocorrerá. “A questão não é se haverá outra pandemia, mas quando. O mundo falhou na articulação global durante a Covid-19, e se não mudarmos esse cenário, o impacto pode ser ainda pior na próxima crise”, alerta.

A falta de um consenso pode deixar a OMS enfraquecida, principalmente diante de pressões políticas. Durante a pandemia de Covid-19, Donald Trump retirou os EUA da organização, alegando que a entidade favorecia a China. O temor é que, em um novo cenário de emergência, o protecionismo e os interesses nacionais prevaleçam sobre a cooperação global.

A crise invisível

Enquanto governos e cientistas se preocupam com novas ameaças, um problema silencioso atinge milhões de pessoas: a Covid longa.

Uma pesquisa da Fiocruz revelou que 91,1% dos pacientes hospitalizados por Covid-19 relataram sintomas persistentes, mas apenas 8,3% receberam um diagnóstico formal.

Entre os sintomas mais comuns estão:

Fadiga crônica

Dor nas articulações

Comprometimento cognitivo

Alterações no sono

Mal-estar pós-esforço físico

Além disso, a pesquisa identificou uma taxa de mortalidade de 12% entre os pacientes diagnosticados com Covid longa nos dois anos seguintes à alta hospitalar.

A falta de diagnóstico e acompanhamento reflete a negligência dos sistemas de saúde, que ainda não reconhecem a Covid longa como um problema de saúde pública. Para a pesquisadora Margareth Portela, isso tem um custo social imenso: “Muitas pessoas não conseguem trabalhar ou manter sua rotina normal, mas o sistema de saúde não está preparado para oferecer assistência adequada”.

O que aprendemos?

A pandemia de Covid-19 deixou um legado de descuidos e lições não aprendidas. O aumento de casos no Brasil, a descoberta de um novo coronavírus na China e a invisibilidade da Covid longa mostram que a crise sanitária ainda não acabou.

O mundo precisa decidir se repetirá os erros do passado ou se adotará uma postura preventiva. A história nos ensina que a negligência custa caro – e que ignorar os sinais pode ser fatal.

A próxima pandemia não é uma questão de “se”, mas de “quando”. E a pergunta que fica é: estaremos prontos?

Foto : Marcelo Camargo – Abr

semanaon.com.br

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