Guerra entre Brasil e Paraguai foi estopim para dispersar indígenas de terra a ser homologada em MS

O Ministério dos Povos Indígenas destacou que a guerra entre Brasil e Paraguai foi determinante para que os indígenas sul-mato-grossenses situados na região de Paranhos perdessem o espaço originário ao longo dos anos.

Há cerca de dez dias, o Governo Federal encaminhou a demarcação da terra indígena Ypoi Triunfo, da etnia Guarani Nhandeva, localizada no município distante cerca de 460 km de Campo Grande.

O processo demarcatório do território de aproximadamente 20 mil hectares (19.756) habitado por cerca de 900 indígenas, será viabilizado por meio do  Ministério dos Povos Indígenas, que enviará à pasta da Justiça os processos para a demarcação desta e de outras 12 terras indígenas no país.

Conforme o relatório do processo demarcatório, o estudo instituído por meio de uma portaria presidencial do presidente Lula (PT) em 2008, o espaço ocupado pelos indígenas foi questionado sobretudo pelo governo paraguaio durante  a guerra entre os países em 1864.

Princípio

De acordo com  o grupo técnico, antes desse período, “as populações Guarani que viviam na fronteira mantinham a posse de seus territórios tradicionais”.

Com o fim da guerra em 1870, uma comissão de demarcação de fronteiras foi constituída para delimitar as fronteiras entre os países, ação que, de acordo com o Governo Federal, determinou novas porções de terra. Naquele período, o espaço ocupado atualmente pelos indígenas foi cedido pelo império brasileiro para Thomaz Larangeira, dono da Companhia Matte Larangeira, empresa responsável pela exploração de erva-mate na região.

Conforme o levantamento, a primeira concessão à Cia. Matte Larangeira para exploração de erva mate se deu em 1882, tendo como alvo a cabeceira do rio Iguatemi e seu curso, região densamente habitada pelos Guarani Ñandéva.

“O Estado concedeu a particulares grandes extensões de terras que incidem sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos Guarani; a partir de 1916, com a flexibilização do monopólio da Cia Matte Larangeira, algumas áreas foram vendidas, enquanto outras foram griladas, construindo-se a imagem tendenciosa de vazios demográficos”, diz trecho do estudo.

Segundo o processo, os trâmites realizados à época foram determinantes para a fixação massiva de não-índios, “obrigando os Guarani Ñandéva a deixar de estabelecer moradias nos tekoha Ypoi e Triunfo.”

O estudo frisa que  os donos da terra cedida pelo império permitiam que os Guarani Ñandéva continuassem na região em que viviam desde tempos imemoriais, desde que trabalhassem nas derrubadas da vegetação para formação de roçados e de pastagens.

Ainda neste primeiro momento, o grupo técnico destaca que o fazendeiro permitia que os índios trabalhassem na área em que viviam, porque “assim lhe convinha”.

No segundo momento de expropriação territorial, os indígenas deixaram de ser necessários como mão de obra na fazenda, passando por um processo, segundo o estudo de “pressão e violência para que deixassem o lugar onde viviam.”Estima-se que mais de duzentas pessoas viviam na região naquele momento.

Segundo o estudo, antes da abertura das fazendas, sazonalmente os Guarani da região de Ypoi/Triunfo eram contratados por ervateiros que exploravam erva-mate na região. Os índios mais antigos relataram que trabalharam para diversos ervateiros tanto no preparo da erva-mate quanto no transporte para vilas no Paraguai, onde era comercializada.

Na concessão que garantia exclusividade na exploração do produto havia uma cláusula que impedia a entrada de estranhos nos ervais nativos. Neste contexto, a mão de obra utilizada na exploração da erva-mate era predominantemente indígena.

“Dado o caráter de exclusividade concedido à Cia Matte Larangeiras sobre a exploração de erva-mate na região do vale do Iguatemi, torna-se questionável qualquer título de propriedade privada na região até 1915, uma vez que nas concessões recebidas anteriormente a empresa estava autorizada a impedir o acesso de terceiros aos ervais”, diz trecho do documento.

Conforme relatório datado de 1927 elaborado por Genésio Pimentel Barbosa, agente do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), nos trabalhos de exploração de erva-mate a participação de trabalhadores indígenas era de 75% sobre a presença de paraguaios.

Imbróglio

Com a demarcação encaminhada, o território indígena de Paranhos perpassa por trâmites há muito tempo. Em 2016, o Governo Federal já havia sinalizado que o território com perímetro aproximado de  97 km. Em uma das justificativas postas pelo Governo Federal para demarcar o território era de que a  economia do município estaria baseada “principalmente na pecuária e agricultura (mandioca, milho e soja), além da extração de erva-mate”.

Segundo o relatório, o processo de colonização da região e de expropriação territorial dos Guarani Ñandeva consolidou-se no final do século XIX, com a concessão dos ervais para a Companhia Matte Larangeira, “seguida de ações de grilagem de terras por colonos, respaldadas pelo governo.”

Habitação

Um dos pontos destacados pelo estudo antropológico é o modo de vida dos indígenas da região.  O levantamento frisou que a população nativa “prefere instalar suas ‘aldeias’ em localidades com fácil obtenção de água potável, pesca e possibilidades extrativistas, além de áreas agricultáveis condizentes com suas práticas culturais de produção alimentar, seja ela de coleta ou plantio.”

O levantamento destaca que o modo de vida dos indígenas da região é constituído por  pequenas localidades onde se distribuem grupos familiares extensos. “Em cada microlocalidade a permanência de moradores estende-se por gerações, o que resulta na criação de profundos laços de afinidade com o lugar.”

O estudo identificou famílias que viviam em Ypoi/Triunfo e hoje estão residindo nas TIs Potrero Guasu, Arroio Corá, Yvy Katu e Porto Lindo, bem como redes de casamentos que se estendem à terra indígena de Amambai.

 

ALISON SILVA

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