Quando a indústria já nasce feminina e uma rede se fortalece

Enquanto empresas experientes se reconfiguram para abarcar mais iniciativas de promoção da igualdade de gênero, as mais novas têm a chance de já nascerem com esse propósito no DNA. É o caso da Angí Chocolates, de Campo Grande, criada em 2017, pelas mãos da empresária Beatriz Branco. A indústria ainda é de porte pequeno, mas o time de colaboradoras é 100% feminino. A ampliação do negócio está no radar, assim como a do quadro de funcionárias. Nos planos da empresária, ser mulher será sempre o primeiro critério de seleção.

Espaço historicamente delegado as mulheres, a cozinha foi a inspiração para a Angí. Beatriz conseguiu olhar para as trocas ocorridas naquele espaço, entre as mulheres da sua família, como algo além da estrutura determinante para manutenção da vida privada. Aplicou o olhar dos negócios, expandiu os horizontes e enxergou o potencial coletivo e libertador da gastronomia. “Esse processo foi bem natural, na verdade. Eu sempre tive essa vontade de trabalhar só com mulheres”, ressalta Beatriz.

O espaço de solidariedade e empatia hoje se tornou parte importante do produto e sustenta uma rede que envolve mão de obra feminina não só na fabricação dos chocolates, mas também no fornecimento de matéria-prima. Proveniente de assentamentos, quilombos e comunidades indígenas lideradas por mulheres, de Mato Grosso do Sul, os frutos do cerrado, como castanha de baru, bocaiuva e guavira, são combinados ao cacau e dão um perfil ainda mais exclusivo para o produto. Nos serviços terceirizados, a procura também é por empresas com time feminino.

Conforme Beatriz, a escolha das parceiras foi determinante para tornar o produto o que é hoje. “Elas já existiam ali e eu me surpreendi com essas mulheres e, na verdade, foram elas que me inspiraram e me deram força para continuar a Angí. Essa rede é uma rede muito forte, tanto eu com elas quanto elas comigo”.

Para a empresária, a ponta que está no campo, depende da natureza, das chuvas e do próprio corpo para fazer as colheitas, abrir frutos e fazer seu beneficiamento e, tais esforços, são valorizados quando a Angí surge como uma alternativa de escoamento desses ingredientes de forma que incorpore todo o cuidado que as comunidades têm com a biodiversidade local, na marca.

“O principal diferencial num negócio formado só por mulheres está nesta conexão que temos, que vai além de só o trabalho. Temos uma conexão de sensibilidade uma com as outras, de entender esse lugar das particularidades da vida uma das outras, das jornadas, do que cada uma tem dentro da sua vida, que é muito único, e cada uma tem a sua diversidade, seus recortes, suas histórias e isso é muito bom”, explica.

Mesmo diante de ambições quase inabaláveis, estruturar negócios femininos, com capacidade de dar autonomia financeira e ambientes saudáveis de trabalho, ainda é um desafio, especialmente, quando se trata de investimento. “Melhoramos muito, mas ainda tem muito a mudar. Ainda não somos bem vistas no mercado dos negócios. É difícil na hora de conseguir uma linha de crédito ou de negociar uma obra, por exemplo”, explica a empresária.

Para Beatriz, as barreiras estão mais ligadas a um problema cultural e não necessariamente a competência das mulheres diante dos negócios. “Muitas vezes parece que se não tivermos um homem no nosso lado, não conseguimos ter credibilidade pelo nosso serviço. Da mesma forma como quando estamos sozinhas por trás dos nossos negócios. É algo que precisa melhorar realmente. A sociedade precisa se desenvolver mais nesse sentido”.

 

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